sexta-feira, dezembro 01, 2006

 

Coimbra


Li este texto no blog de um amigo e achei que devia compartilha-lo convosco...
"São 11 horas e o burburinho de Coimbra acentua-se. Da janela do quarto 309 vê-se a zona alta da cidade e o olhar desliza até à Baixa e ao rio Mondego... Coimbra do Choupal... O dia não podia estar mais soalheiro e por isso a saudade e a melancolia não resistem. Coimbra continuará a ser a capital do amor em Portugal, como reza a canção, mas será por outras razões. Pode até ainda ter espaço para se suspirar pela rua com versos de António Nobre. E tem concerteza o som omnipresente do sino universitário para que se continue a cantar "A Cabra da velha torre, meu amor chama por mim". Mas este é um carácter quase subterrâneo, que só vem ao de cima nos dias em que a neblina sobe do rio deixando a cidade tristonha.
Hoje está sol e o centro da cidade agita-se com gente de óculos escuros que procura as pechinchas dos primeiros saldos, velhos reformados que se aquecem e se gratificam das benesses de um tempo assim e estudantes que, com cafés e sumos de laranja, se recompõem de mais uma das inconfundíveis noitadas de Coimbra. Todas estas personagens se vêem repetidamente da janela do quarto 309 do Hotel Astória.
Inaugurado em 1926, o Astória é o ícone que sai em todos os postais. Alto e elegante, o edifício é o que mais se destaca entre os que nesta zona representam a 'art déco', já tardia, que contagiava a arquitectura do princípio de século. O interior rege-se pelos mesmos preceitos com que foi inicialmente decorado. Aliás, não só os preceitos de arte nova, como o próprio mobiliário original foi mantido. É de imaginar, por isso, que muitas são as mossas nas cadeiras, nas camas, nos roupeiros, mas mesmo assim as peças não perdem o seu charme. Neste hotel respira-se uma aura vintage como em nenhum outro da cidade e não há melhor lugar para ver e viver a cidade de perto.
Os dias começam tarde, até porque as noites se fazem longas. Coimbra é a cidade universitária por excelência e por isso mesmo orgulha-se da melhor vida nocturna do País. Assim será ou não, dependendo dos gostos. Realmente, as opções são muitas e em conta. Não faltam as tascas onde se come bem, mas vale a pena pedir referências a quem já correu todas. Paulo Francisco nasceu em Coimbra e no seu tempo de estudante correu todos os locais possíveis. Hoje continua actualizadíssimo e por isso sabe recomendar o melhor de cada vertente da cidade.
Circuito de tascas
Levou-nos à tasca Zé Neto (Rua das Azeiteiras, 8/10. Tel.: 239.826.786). Uma açorda de coentros e uns carapauzinhos fritos fizeram as delícias de quem muito palmilhou costa acima e rua abaixo, durante todo o dia, a Cidade dos Doutores. Da decoração deste espaço é melhor não falar, mas recomenda-se que não se espere grande coisa. Da comida, só podemos dizer "quem sabe, sabe" e Paulo sabia que esta refeição frugal nos ia agradar.
Outros dois lugares irresistíveis são o Zé Manel dos Ossos (Beco do Forno, 12. Tel.: 239.823.790) e o Quim dos Ossos, este último menos turístico e bastante mais longe do centro da cidade. Em ambos, a especialidade é ossos. Divertido e curioso é o momento de escolher um prato com este nome. Estes ossos não são para cães. Ossos é uma iguaria popular feita de entrecosto de porco bem temperado e cozido em lume brando. A carne é do mais suculento e saboroso que há. Acompanha-a uma rústica broa de milho. Com vinho da casa faz-se uma boa refeição e, é caso para dizer, "por tuta e meia".
Com as baterias repostas, é tempo de rumar a outra noite. Toca mais uma vez a subir. Nesta cidade parece realmente impossível dar mais do que um passo na horizontal. As Escadinhas do Quebra Costas são a prova de que a toponímia é por vezes eufemística. Do Arco Almedina até ao destino não são só as costas que se quebram. As pernas tremem, a respiração acelera e a sede começa a pedir alívio. Enfim... nada que não se possa resolver. Afinal, o destino é justamente um bar e por sinal o mais emblemático desta zona: o Quebra Costas. É o ponto de encontro mais carismático, não só da estudantina como de todos os noctívagos de Coimbra. E pode ser o ponto de partida para uma excelente noite, como foi o caso.
Outro sítio para muita da boémia coimbrã é o Shmoo (Rua do Corpo de Deus, 68). Reza a lenda que um dos seres que povoaram uma das aventuras de Li'l Abner, do cartonista Al Capp, aquele único 'shmoo' que sobreviveu às tentativas de extinção, se refugiou em Coimbra e está-se mesmo a ver onde... Parece que é por isso que os empregados do Shmoo fazem tudo para agradar quem por cá passa. A receita tem funcionado. As saladas, as sobremesas, os batidos e os 'shots' de vários sabores têm cativado os conimbricenses, de tarde e à noite.
A música dos estudantes
O Paulo não sabe só onde são os locais mais antigos e emblemáticos desta cidade. Conhece os espaços que "começam a bombar" e é claro que nos levou lá. À Capella foi a próxima escolha e qual não foi o espanto encontrar um pequeno templo restaurado, que acolhe agora um outro culto. "Senhoras e senhores, silêncio que se vai cantar o fado".
O conceito deste bar nasceu da ausência de um espaço dedicado à música dos estudantes. Das escadarias da Sé Velha e das noites de festa académica, cantores e guitarristas têm agora um espaço dentro de portas para dar voz à melancolia. Entretanto, o conceito alargou-se e, no À Capella, há também noites de piano-bar e de fado de Lisboa. Consoante os aplausos e pedidos de 'encores', os espectáculos podem durar mais ou menos tempo. Hoje, a função acabou cedo e Paulo prestou-se a levar-nos a mais um novo bar, para coroar a noite.
Radicalmente diferente do anterior, é o Quebra Club. O nome parece familiar? Sim, e não é por falta de imaginação. Os donos deste bar são os mesmos do referido Quebra Costas. O espaço é amplo e a decoração, irrepreensível. Vermelho e negro são as cores-chave e, nas paredes, avistam-se fotografias de grande formato. A música vai do chill-out ao house, consoante a noite e DJ de serviço, mas o volume permite sempre que as boas conversas se prolonguem.
Zona ribeirinha renovada
O Quebra Club é um dos mais novos bares da cidade mas já conquistou corações. Além da decoração contemporânea, do ambiente descontraído e da simpatia de quem lá trabalha, há outro factor a ter em conta: a localização.
O Quebra Club situa-se nas recentes estruturas que fazem parte da reconversão da zona ribeirinha da cidade. O que foi durante anos uma zona praticamente abandonada é hoje um parque urbano à beira-rio. Daqui se desfruta de vistas pontuadas por luzinhas e dos ares frescos do Mondego.
A noite podia ainda ter seguido por discotecas como a Vinyl (Av. Afonso Henriques, 43. Tel.: 239.404.047) ou a Via Latina (Rua Almeida Garrett, 1. Tel.: 239.820.293), mais dois espaços emblemáticos desta zona. Mas ir dançar até de madrugada, significaria desperdiçar boa parte de Coimbra, que tem tantas coisas boas para apreciar de dia quantas tem de noite.
Às 11h00 da manhã, quando se acentua o barulho e dormir se faz difícil, descemos para junto dos velhos reformados que se aquecem e dos estudantes que tomam café."
É um texto de Carla Macedo, publicado no Jornal de Notícias

Comments: Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?